domingo, 18 de setembro de 2011

Quando o Medo é a Dor Maior: Transtorno do Pânico


Quando o Medo é a Dor Maior: Transtorno do Pânico

Por Fernando Ferreira Filho*

O transtorno do pânico é definido como crises recorrentes de forte ansiedade ou medo. As crises de pânico são intensas, repentinas e inesperadas que provocam nas pessoas sensação de mal estar físico e mental, juntamente a um comportamento de fuga do local onde se encontram, seja indo para um pronto socorro, seja buscando ajuda de quem está próximo.

A reação de pânico é uma reação normal quando existe uma situação que favoreça seu surgimento - estar num local fechado onde começa um incêndio, estar afogando-se ou em qualquer situação com eminente perigo de morte. Nas situações em que a própria vida está ameaçada, o organismo toma medidas que normalmente não tomaria, perdendo o medo de pequenos perigos para livrar-se de um perigo maior. Para fugir de um leão podemos subir numa árvore mesmo tendo medo de altura ou fazendo esforços incomuns, sofrendo pequenos ferimentos que no momento não são percebidos. O estado de pânico é, portanto uma reação absolutamente normal e necessária para a autopreservação. Aqueles que fogem mais rapidamente do perigo de morte têm mais chances de sobreviver. Desta forma é feita a seleção natural em nosso planeta.

O pânico passa a ser identificado como patológico e por isso ganha o título de transtorno do pânico quando essa mesma reação acontece sem motivo, espontaneamente.


Diagnóstico

O diagnóstico do transtorno do pânico possui critérios bem definidos, não podemos classificar como transtorno do pânico qualquer reação intensa de medo. Assim sendo, estão aqui apresentados os critérios usados para fazer este diagnóstico:

a) Existência de vários ataques, no período de semanas ou meses.

b) Dentre vários sintomas, pelo menos quatro dos seguintes devem estar presentes:

1- Aceleração da frequência cardíaca ou sensação de batimento desconfortável (o coração parece que quer sair pela boca)

2- Suor abundante difuso ou localizado (mãos ou pés)

3- Tremores finos nas mãos ou extremidades ou difusos em todo o corpo

4- Sensação de sufocação ou dificuldade de respirar

5- Sensação de desmaio iminente

6- Dor ou desconforto no peito (o que leva muitas pessoas a acharem que estão tendo um ataque cardíaco)

7- Náusea ou desconforto abdominal

8- Tonteiras, sensação de estar com a cabeça leve ou vazia

9- Despersonalização* ou desrealização** - Essas duas sensações ocorrem em aproximadamente 70% da população geral, não significando como ocorrência isolada uma manifestação da doença.

*A despersonalização é uma sensação comum nos estados ansiosos que pode surgir mesmo fora dos ataques de pânico. Caracteriza-se por dar a pessoa uma sensação de não ser ela mesma, como se estivesse saindo de dentro do próprio corpo e observando a si mesmo.

**A desrealização é a sensação de que o mundo ou o ambiente em volta estão diferentes, como se fosse um sonho ou houvesse uma nuvem (a pessoa fica “aérea”).

10- Medo de enlouquecer ou de perder o controle de si mesmo

11- Medo de morrer

12- Alterações das sensações táteis como sensação de dormências ou formigamento pelo corpo

13- Enrubescimento ou ondas de calor, calafrios pelo corpo

c) Há substâncias que podem gerar reações de pânico, como os estimulantes. Quando o pânico ocorre sob esse efeito não se pode dar este diagnóstico assim como também não pode ser dado em decorrência de outros estados ansiosos anteriores como um ataque de pânico secundário a uma exposição forçada de um fóbico social por exemplo.

Prováveis causas

As causas dos ataques de pânico são desconhecidas, contudo, cada um dos pensamentos teóricos vigentes possui suas próprias teorias:

Teoria Neuroanatômica:

Baseando no princípio de que o ataque de pânico é uma perturbação do sistema fisiológico que regula as crises normais de medo e ansiedade, cientistas elaboraram hipóteses do fluxo de acontecimentos no cérebro dos pacientes com pânico. A reação de pânico começa no locus ceruleus (LC) porque sua estimulação produz quase todas as reações fisiológicas e autonômicas do pânico. O LC por outro lado se conecta ao nervo vago que se estende a regiões do tórax e abdômen, podendo explicar a origem do mal estar abdominal, sensação de sufocação e taquicardia tão freqüentes nas crises de pânico. A ponte, onde está localizado o LC, possui amplas conexões com o sistema límbico, logo acima, e é neste sistema onde se localizam as reações de medo e ansiedade. A ponte é também caracterizada por estar fora da área onde se pode exercer influência voluntária como no córtex, isto poderia explicar a origem inesperada e incontrolável das crises.

Teoria Comportamental:

Para o modelo comportamental a teoria neuroanatômica é insuficiente. Vários princípios comportamentais estão envolvidos no desenvolvimento do pânico: o condicionamento clássico, o princípio do medo do medo, a teoria da interpretação catastrófica e a sensibilidade à ansiedade. No princípio do condicionamento clássico, o paciente desenvolve o medo a partir de um determinado estímulo e sempre que exposto a esse estímulo, a recordação de medo é evocada fazendo com que a pessoa associe a idéia do medo ao local onde se encontra. Por exemplo, ao passar num túnel, caso sinta-se mal por qualquer motivo, passa a relacionar o túnel ao mal estar e gerando equivocadamente nova reação de ansiedade que passa a ser reforçada pelo alívio da saída do túnel. Este modelo não pode explicar todas as crises de pânico, nem é pretensão do pensamento comportamental explicar tudo a partir de uma só teoria comportamental.

Teoria Psicanalítica:

A teoria psicanalítica afirma que as crises de pânico se originam do escape de processos mentais inconscientes até então reprimidos. Quando existe no inconsciente um processo como uma idéia, ou um desejo, ou uma emoção com o qual o indivíduo não consegue lidar, as estruturas mentais trabalham de forma a manter esse processo fora da consciência do indivíduo. Contudo quando o processo é muito forte ou quando os mecanismos de defesa enfraquecem, os processos reprimidos podem surgir "desautorizadamente" na consciência do indivíduo pela crise de pânico. A mente, nesse caso, trabalha no sentido de mascarar a crise de tal forma que o indivíduo continue sem perceber conscientemente o que de fato está acontecendo consigo. Por exemplo, o indivíduo tem uma atração física por uma pessoa com quem não pode estabelecer contato, neste caso a própria irmã. Este desejo, então, fica reprimido porque a real manifestação dele causaria intensa repulsa, raiva ou nojo de si próprio. Para que esses sentimentos negativos permaneçam longe da consciência, a estrutura mental do indivíduo mantém o desejo reprimido. Caso esse desejo surja, apesar do esforço por reprimir, o aparato mental transforma o desejo noutra imagem, podendo esta ser uma crise de pânico. Uma vez que o equilíbrio mental foi ameaçado, o funcionamento mental inconsciente transforma o conteúdo da repressão numa crise de pânico.

Teoria Espírita:

Como seguidor da Doutrina Espírita, codificada por Allan Kardec, acredito que o transtorno do pânico pode também ser causado pela obsessão (ação de entidade espiritual sobre uma pessoa viva). Cito aqui, um caso, em que o paciente em outra encarnação havia prejudicado uma pessoa que, agora, desencarnada, se aproximou dele para acertar contas. A presença da culpa, de forma inconsciente, instalou uma “tomada” psíquica no paciente (o devedor), que lhe permitiu se conectar ao seu desafeto (espírito perseguidor), surgindo um intercâmbio psíquico dos envolvidos na mesma trama infeliz. Assim, sem nenhum atendimento em nível espiritual, instalou-se o transtorno psíquico do paciente, e, lentamente, ele foi sendo dominado pela força do agente agressor desencarnado, que se lhe assenhorou a casa mental, de forma permanente, levando-o à loucura irremediável.

Grupos de Risco

Aproximadamente 1,5 a 2% das pessoas é afetada por esse transtorno, o que significa uma prevalência alta, sendo ainda mais alto, de 3 a 4% se os critérios para diagnóstico não forem inteiramente preenchidos, ou melhor, se considerarmos as crises parciais e os quadros de ataques de ansiedade atípicos. As mulheres são mais afetadas do que os homens, sendo aproximadamente o dobro a incidência do transtorno do pânico sobre as mulheres em relação aos homens. A idade de início concentra-se em torno dos trinta anos, podendo começar durante a infância ou na velhice. A mulher de 30 anos é o grupo sobre o qual observa-se maior incidência desse transtorno.

Duração

O curso do pânico é imprevisível, tanto pode durar alguns meses como pode durar vários anos. Desde que o pânico começou a ser estudado, há poucas décadas, ainda não foi possível se verificar em que percentagem ele dura a vida toda. Os estudos de longo seguimento chegam a perto de uma década e aproximadamente 10% dos pacientes continua sintomático após esse período, ou seja, continua tendo ataques de pânico quando as medicações são suspensas. É importante notar que o tratamento não cura o pânico, apenas suprime os sintomas e permite o paciente ter uma vida normal, mas a suspensão do tratamento leva a uma recaída, caso não tenha ocorrido uma remissão espontânea do transtorno. O tratamento, mesmo quando bem conduzido, não traz garantia de cura, ou os sintomas remitem sozinhos ou permanece a necessidade de utilização das medicações. Há relatos de casos de remissão espontânea durante a gestação. A meu ver, dentro da visão espírita, essa remissão que ocorre durante a gravidez é justamente pelo fato de que o obsessor que causava o pânico pode ser o bebê que está se preparando para a reencarnação.

Medicação

O tratamento médico mais recomendado para o bloqueio das crises são os psicofármacos. Os antidepressivos de todos os grupos e os tranquilizantes são eficazes no controle das crises. Atualmente, mediante a disponibilidade de vários psicofármacos, dificilmente um paciente não melhora com alguma medicação. Todos os grupos de antidepressivos testados mostraram-se eficazes, os tricíclicos e tetracíclicos, os inibidores da recaptação da serotonina e os inibidores da MAO. Apesar de todos os grupos terem sido testados com sucesso, nem todas as medicações de cada grupo foram cientificamente testadas, presume-se apenas que sejam eficazes. Assim, também os tranquilizantes benzodiazepínicos foram testados e, dependendo da dose, todos obtiveram sucesso. A decisão quanto a escolha da medicação deve obedecer a critérios básicos como: outras doenças presentes no paciente, portadores de glaucoma não podem tomar tricíclicos, interações com outras medicações já em uso, história de reação indesejável a determinadas medicações em escolha, características individuais (por exemplo, os pacientes obesos devem optar preferencialmente pelos inibidores da recaptação da serotonina, os pacientes muito magros por tricíclicos). Pessoas com problemas sexuais devem evitar os inibidores da recaptação da serotonina. Por fim, como há entre essas medicações marcante diferença de preços, é válido considerar isso como critério de escolha desde que não seja feita em detrimento do bem estar do paciente.

Quanto à estratégia de uso das medicações, é recomendável que os antidepressivos sejam evitados isoladamente no início do tratamento. Como essas medicações só passam a bloquear as crises após duas semanas em média, e provocam uma piora do pânico no começo, é preferível que nesta fase seja dado junto ao antidepressivo, um tranquilizante, que tanto poderá ser suspenso depois, como continuar sozinho em monoterapia. Os tranquilizantes de escolha são os de alta potência, embora os de baixa potência possam ser usados em doses mais elevadas.

Terapias

A terapia cognitivo-comportamental pode ser indicada para o tratamento do pânico, contudo as medicações são mais rápidas no bloqueio das crises (colocam a “casa interna” em ordem).

Junto ao tratamento médico e psicoterápico, podem ser utilizados remédios florais de Bach e homeopáticos, como apoio.

Sabendo da forte influência espiritual atuando neste tipo de transtorno, recomendo ao paciente e à sua família que procurem desenvolver a religiosidade, seja a denominação que for, dentro de instituições sérias e tradicionais. Se o paciente for espírita, recomendo que vá ao Centro Espírita, procurando tomar passes várias vezes na semana, participar de trabalhos de desobssessão, e procurar se engajar em trabalhos voluntários em sua comunidade civil ou religiosa.

Enfim, exercitar a caridade em todos seus aspectos (material e moral).

Conseqüências

Freqüentemente encontramos entre os pacientes com pânico certas reações distintas do próprio pânico, mas oriundas dele. A mais comum é a agorafobia. A ansiedade antecipatória é uma ocorrência comum em outros transtornos de ansiedade, trata-se simplesmente da preocupação excessiva que antecede os eventos, às vezes por alguns dias. A pessoa não sabe viver o “aqui e agora”. Como o paciente com pânico nunca sabe quando sofrerá nova crise está sempre apreensivo, quando relaciona à crise a determinado local ou situação passa a ter ansiedade referentes a ele. A evitação é o comportamento decorrente da atribuição do local à sua crise; por exemplo: quem tem medo de ter crises em túneis dá voltas maiores para evitá-lo. Por fim, a hipocondria é uma manifestação freqüente no transtorno do pânico, apesar de encontrarmos poucas referências nos livros a esse respeito, na prática é uma relação bastante comum. Como as crises são fortes e muitas vezes associadas a mal estar cardíaco, os pacientes acreditam que sofrem algum mal cardiológico e por isso são encontrados nos consultórios e laboratórios de exames cardíacos, além das emergências gerais quando julgam estarem tendo um ataque cardíaco. A ligação entre o pânico e doenças cardíacas é nula conforme diversos estudos mostraram, ou seja, não existem evidências de que os ataques de pânico com forte dores no peito venham a provocar qualquer tipo de doença cardíaca, nem as doenças cardíacas por outro lado podem causar pânico.

A família

Freqüentemente os doentes com pânico sofrem muito duas vezes, a primeira por causa dos ataques e suas conseqüências, e a segunda por causa da incompreensão de que são vítimas. Em meus atendimentos, ouço de meus clientes que seus filhos, pais, cônjuges os criticam por causa das crises, dizendo que são besteiras psicológicas, entre outras coisas. Em verdade, a primeira coisa que os familiares têm que fazer é compreender, aceitar e apoiar os doentes. O transtorno do pânico é uma doença como outra qualquer, a pessoa não quer tê-la, nem pode evitá-la.

Aqui estão algumas recomendações às pessoas que convivem com quem tem o transtorno do pânico:

Evite dizer:

"Relaxe, acalme-se..."
"Você pode lutar contra isso..."
"Não seja boba(o)!"
"Não seja covarde!" , Etc.
Recomendações aos familiares de pacientes com transtorno do pânico:

Não faça suposições a respeito do que a pessoa com pânico precisa, pergunte a ela
Seja previsível, evite surpresas
Proporcione a quem sofre de pânico a paz necessária para se recuperar
Procure ser otimista para com quem tem pânico, procure aspectos positivos nos problemas
Não sacrifique sua própria vida, pois acabará criando grandes ressentimentos e mágoas
Não entre em pânico quando o doente tiver um ataque
Seja paciente, aceite e respeite as dificuldades de quem tem pânico, mas não se conforme como se ela(e) fosse uma inválida(o).
Encaminhe o doente para atendimento e tratamento espirituais em instituições religiosas sérias e tradicionais, e o incentive à prática da caridade, de forma sistemática.

*Fernando Ferreira Filho é psicoterapeuta.


Fontes:

Franco, Divaldo - Tormentos da Obsessão, Ed. Leal.

Dalgalarrondo, Paulo - Psicopatologia e semiologia do transtornos mentais, 2ª Ed. Artemed.

Silva, Ana Beatriz Barbosa - Mentes com Medo: da compreensão à superação, Integrare Editora.

sábado, 17 de setembro de 2011

Mediunidade e distúrbios mentais na visão de um médico espírita


Por Jorge Cecílio Daher Junior*

INTRODUÇÃO
Ronald Laing, psiquiatra inglês, afirma que “os místicos e os esquizofrênicos encontram-se no mesmo oceano; enquanto os místicos nadam, os esquizofrênicos se afogam.”
A relação entre mediunidade e doença mental vem de muito tempo. Veremos adiante sua relação com o demonismo da era medieval. Allan Kardec dedica o capítulo XVII de O Livro dos Médiuns para tratar dos “Inconvenientes e Perigos da Mediunidade” e questiona se a mediunidade poderia desenvolver a loucura. Os Espíritos respondem que não, desde que não haja predisposição para isso. A resposta ensejará pequena consideração quando tratarmos da visão da loucura, à época de Kardec.

Conceito histórico da loucura

Reconheço que cabe ao Prof Isaías Pessoti todo o material que serve de base a essa parte , graças ao seu “ A Loucura e as Épocas”.
Esquematicamente, veremos o conceito de loucura conforme as épocas mais importantes da humanidade ocidental, nos fixando nos períodos que definiram novos conceitos.

Conceito de Loucura na Antiguidade

A Antiguidade grega tem em Homero, autor de as Ilíadas, a primeira conceituação de loucura. A época de Homero e de Hesíodo tem a loucura como consequente à ação dos deuses, que a usavam como recurso para que os seus desejos não fossem contrastados pelos desejos dos homens.
O homem não é soberano sobre si mesmo, têm os deuses poderes para interferirem como queiram na vida dos mortais. A loucura é de origem externa ao homem, é o roubo da razão pelos deuses, que determinam a vida do homem.
Eurípedes aponta a origem da loucura como decorrente de conflitos internos, o homem não seria conduzido fatalmente à loucura, senão por uma parcela de responsabilidade. Porém, cabe aos deuses roubar a razão.
Hipócrates vê o homem como um ser em equilíbrio orgânico. Qualquer desarranjo nesse desequilíbrio, provoca a doença e a loucura. A causa da loucura é a ruptura do equilíbrio orgânico, uma visão aparentemente organicista, não fosse a anátomo-fisiologia de Hipócrates calcada em bases metafísicas.
Quem profundamente marcou o conceito médico de loucura foi Galeno. Ele restaurou a vida psíquica do homem, trazendo o conceito de pneuma psychicon, a sede da vida mental.
A Antiguidade Clássica apresentou, enfim, três perspectivas de loucura. Numa ela aparece como obra da intervenção dos deuses, noutra afigura-se como um produto dos conflitos passionais do homem, mesmo que permitidos ou impostos pelos deuses; numa terceira, a loucura afigura-se como efeito de disfunções somáticas, causadas eventualmente, e sempre de forma mediata, por eventos afetivos.

A Doutrina Demonista

A idéia medieval da intervenção diabólica como causa da loucura, e de outros distúrbios do homem, não deve ser entendida como algo que surgiu naquele momento, de modo circunstancial.
Toda a fundamentação teórica do que chamaremos de período escuro do saber humano, onde a imposição teológica serviu como instrumento coercitivo de poder, vem dos primórdios do cristianismo e surgiu como consequência da doutrina desenvolvida a partir dos Padres Apostólicos até Agostinho de Hipona.
A doutrina que se caracterizou como sendo a doutrina de Cristo, tem em sua concepção teológica, a figura do satanás, no sentido nítido de opositor, como sendo a figura do outro. Os pagãos e tudo que a eles se relaciona passam a ser demônios.
Santo Agostinho afirma que o mal não existência própria; Deus permite a existência do demônio para tornar possível o aperfeiçoamento do homem pela busca de Deus.
Tomás de Aquino faz da Escolástica referência da doutrina demonista, que vê o demônio como conhecedor das coisas e dos homens, habita o éter e age com a permissão de Deus.
O mundo se povoou de demônios e, talvez, possamos resumir o que representou essa época de obscurantismo para a psicopatologia compreendendo que, para a doutrina demonista, não se afirma “ possesso, portanto louco; mas, louco, portanto possesso.”
Como alguns sinais que evidenciam possessão diabólica, cita Chondrochi:
“… falar línguas desconhecidas ou entendê-las quando faladas por outros; descobrir e revelar fatos ocultos, esquecidos, futuros, secretos, pecados e pensamentos dos presentes; discutir assuntos elevados e sublimes quando se é ignorante; falar com elegância e doutamente quando se é ignorante; sentir-se impulsionado por uma persuasão interior a lançar-se num precipício ou ao suicídio; tornar-se inesperadamente tolo, cego, coxo, surdo, mudo, lunático, paralítico.”

Enfoque Médico da loucura

No século XVII a psicopatologia tem forte inspiração da doutrina platônica e do galenismo. Mesmo assim, o conceito de possessão ainda é admitido como causa da loucura. Mas a loucura passa a ser encarada como fenômeno natural e da alçada médica.
No século seguinte, Cullen afasta-se do galenismo e classifica a loucura como desarranjo das faculdades intelectuais. Não afasta a possibilidade, ainda que remota, da intervenção demoníaca. Arnold reforça que o substrato da loucura é alteração das faculdades mentais, não necessariamente das funções cerebrais.

A Loucura Segundo a Psiquiatria do Século XIX

O início do século passado foi a era de Pinel. Esse alienista que, quando indicado para o Hospital de La Bicêtre, liberta os loucos das amarras por entender que a loucura é fruto da imoralidade, entendida como os excessos e paixões de toda a ordem..
Pinel admite a loucura como lesão das faculdades mentais, de ordem orgânica ou moral. Por isso, propõe um tratamento moral da loucura, indicando a função de um diretor espiritual e ação notadamente repressora sobre os pacientes, que chamaria de reeducação moral.
Esquirol, discípulo de Pinel, esforça-se em buscar uma correlação orgânica com as diferentes formas da loucura, mas admite que existe loucura sem que se detecte qualquer lesão cerebral. Mas toda causa moral tem sua ação obrigatoriamente sobre o encéfalo.
Perchappe, que teve o mérito de um estudo epidemiológico da loucura, afasta do estudo da loucura qualquer especulação filosófica.
Cotard antecipa o enfoque psicodinâmico, mas trata de afastar a metafísica, principalmente a especulação sobre os corpos do homem. Desenvolve uma teoria psicopatológica de repressão do desejo, agindo sobre a mente, mas recusando-se a estudar a alma e o espírito.

Conceito espírita da loucura

Podemos passar ao estudo do conceito espírita da loucura, que teremos em Bezerra de Menezes, “A Loucura Sob Um Novo Prisma” e Manoel Philomeno, desenvolvendo as idéias de Bezerra, em “ Loucura e Obsessão”.
À época da Codificação, o conceito de loucura elaborada por Esquirol encontrava enorme repercussão. A busca de um substrato cerebral como causa da loucura, em uma época marcada pelas mesas girantes, faz justificar a mediunidade como fruto da alucinação.
A negação do princípio espiritual, ou a afirmação de uma alma apenas metafísica, faz ver como produto de uma mente excitada os fenômenos visuais da mediunidade. A teoria alucinatória tenta enquadrar a mediunidade na psicopatologia, nos quadros de exaltação delirante.
Mas o que é a alucinação? Um erro da percepção, dirão os alienistas. Mas por que ocorre esse erro ? Se é um erro, por que o caráter inteligente da alucinação, que se comunica com o que alucina de forma coerente e racional, dando sobejas provas da existência de um ser comunicante? Qual a fisiopatologia da alucinação?
Allan Kardec responde essas questões em O Livro dos Médiuns, propondo uma teoria da alucinação, que ocorre como decorrência da leitura das impressões cerebrais pela alma emancipada. Onde estariam essas impressões? Na verdade, não no cérebro físico, mas registradas nas camadas mais grosseiras (ou mais densas) do perispírito. O que se ressalta da fisiopatologia da alucinação proposta por Kardec é a inclusão da alma, ou do Espírito reencarnado, atuante, não abstrato.
Desnecessário nos é falar sobre as provas da realidade espiritual. Reforçamos apenas que, o desenvolver de uma teoria espírita da loucura, tem por base o homem/Espírito, tão bem apresentado por Kardec e pelos sábios Instrutores espirituais.
A decorrência natural de assumir-se a primazia do Espírito sobre o corpo é de se discutir o papel do cérebro nas manifestações da alma.
Como pudemos observar na evolução do conceito de loucura, partiu de causas exteriores à vontade do homem até a visão Hipocrática de alteração dos humores orgânicos. O cérebro se constituiu como órgão do pensamento, até que a doutrina demonista trouxe o terror representado por intervenções além do cérebro, provocando a loucura. Criou-se, depois o termo faculdades mentais como consequência de ter-se loucura mesmo com o cérebro íntegro. No final do século passado a visão de que alteração da fisiologia cerebral traz doença mental, reinforçou a centralização da mente sobre as funções cerebrais.
Hoje, a ciência vê o cérebro como complexa glândula endócrina, indo mais além, possuidor de bilhões de circuitos por onde transitam os pensamentos e as idéias. Onde está a consciência, onde está a mente? Nenhum gênio das ciências da mente saberá responder. Um tema palpitante de especulação científica é o da interação mente-corpo, que é de orientação notadamente organicista, por isso, muito mais próxima do materialismo vigente.

Como consequência dessa visão, que não admite qualquer especulação filosófica nos moldes clássicos, decorrente da postura cientificista de Perchappe, justifica-se, por exemplo, a esquizofrenia como alteração da neurotransmissão cerebral, afetando sistemas neurotransmissores da dopamina, serotonina e noradrenalina, de áreas específicas do cérebro. A mesma série de neurotransmissores, em locais diferentes do cérebro, é evocada para justificar a depressão, a dependência química, entre tantas doenças de manifestação, evolução e tratamento diferentes.

A teoria psicodinâmica, que envolve os fundamentos da psicologia médica, entre elas a psicanálise, a vertente cognitiva-comportamental, entre outras, estabeleceu-se como ramo não-especulativo, modernamente, acomodando-se como subsídio terapêutico e afastando de si as vertentes que não se adequam à submissão ao organicismo.
O livro “ A Loucura Sob Novo Prisma”, de Bezerra de Menezes, após apresentar a cosmogonia espírita, começa por definir o papel do cérebro nas manifestações da mente. Seria o órgão do pensamento, gerador dos sentimentos, dos afetos, dos ideais, do amor? A capacidade de amor ou ódio se mede por disposições cerebrais diferentes? Tal especulação repugna à idéia. Reduz o papel dos avatares da humanidade ao de simples produtos de um cérebro anormal (anormal enquanto fora dos padrões usuais). Por outro lado, faz do depravado, do homicida cruel, do serial killer, uma vítima de seu órgão diferenciado, porque pouco desviado do normal. Uma visão como essa justifica uma sociedade que produziu idéias de seleção de raças, a eugenia.
Mas há fragilidade em considerar-se o cérebro a sede da mente, ou consciência. Em 1966, uma notícia teve repercussão em todos os Estados Unidos. Ernest Coe tivera todo o seu hemisfério cerebral esquerdo destruído por um tumor, que foi extirpado cirurgicamente. Para surpresa da equipe médica, o paciente permaneceu vivo por mais de seis meses, mantendo todas as suas funções normais. Destaco que o hemisfério esquerdo é o dito dominante. Mais ainda, se o cérebro é a sede da consciência, como justificar tal fato ? Por reação vicariante, ou seja, a hipertrofia de funções pelo lado remanescente?
Mais ainda, em se considerando o cérebro como sede da mente, produtor dos pensamentos, idéias, emoções, sentimentos. Mesmo entre gêmeos univitelinos, existe discordância de 50-40% na incidência de esquizofrenia quando um dos pares é afetado. Fosse o cérebro a sede da mente, por serem os gêmeos univitelinos donos de aparelhos idênticos, por que a discordância e não o fatalismo?
Estejamos prontos para a visão espírita do cérebro como instrumento da mente. Emmanuel define a mente como “ o espelho da alma”, em seu livro “Pensamento e Vida”. Na verdade, a mente não é a alma, mas é fruto dela. Não está no cérebro, mas no perispírito, que reflete as disposições do Espírito eterno.
O corpo intermediário entre o Espírito e o corpo imprime na matéria densa as disposições colhidas nas experiências passadas e atuais, atuando como vigoroso modelador biológico. Assim, cada célula, em sua ligação molecular com o perispírito, recebe as impressões de variada ordem, reflexo da jornada individual. Ao ser encaminhado à reencarnação, o Espírito expressa seu propósito de renovação, confrontando com o arrastamento das tendências. Essa psicologia profunda se irradia por todo o perispírito que a transpõe ao corpo físico, gerando as disposições orgânicas às doenças, que no fundo são sempre de gênese espiritual.
O Espírito se exprime, o que o perispírito manifesta como pensamento. Quando encarnado, encontra no cérebro físico apenas um instrumento. Se esse instrumento encontra-se lesado, não exprimirá o pensamento vindo do perispírito. Mas se o cérebro encontra-se alterado apenas funcionalmente, sem lesão alguma, é porque o gerador do pensamento o faz de modo defeituoso. Qual a causa da alteração do pensamento, em nível anterior ao cérebro, ou seja, no campo do corpo espiritual?
O próprio corpo espiritual pode achar-se alterado transitoriamente, devido a sentimentos diversos, cuja gênese está no remorso, gerado por sentimento de culpa. Pode, também, estar sob a influência nociva de outra mente espiritual, interferindo diretamente sobre suas funções, no caso, obsessão espiritual.
Nos casos onde há o que chamei de alteração transitória do perispírito, transitória no sentido de que não é eterno, ocorre o que conhecemos por processos auto-obsessivos. Nesses fenômenos, não há a interferência direta de entidades estranhas na gêneses da psicopatologia de nível espiritual.

O livro “Os Mensageiros”, de André Luiz, traz o caso de Paulo, internado em Posto de Assistência, ligada a Nosso Lar. Esse Espírito, recolhido em estado de profunda alienação, apresentava psicosfera repleta das imagens por ele geradas, quando foi acometido pelo remorso por suas ações nefandas. André Luiz ausculta todos os conflitos que o paciente vivencia, as imagens das pessoas por ele lesadas, as consequências de seus atos. Paulo, esse o nome do Espírito adoentado, experimentava fenômeno auto-obsessivo, já no plano espiritual.

Em “Loucura e Obsessão”, Manoel Philomeno traz-nos o caso de Anderson, que estava sendo tratado no terreiro de Umbanda, dirigido espiritualmente por Emerenciana. Anderson se enquadrava no diagnóstico médico de autismo, tal seu estado de introspecção e fuga da realidade. Dr. Bezerra diagnostica processo auto-obsessivo, cuja gênese está em carpir intensa atividade mental em faixas do crime e da viciação, cometendo delitos que podem ser ocultados de todos, exceto da consciência que os registra e exige reparação. Transmite ao cérebro essa realidade, gerando circuitos cerebrais que aniquilam a polivalência das idéias. Tais são os processos depressivos graves, sem resposta terapêutica, por que o cérebro apenas transmite os fenômenos do Espírito adoentado.
No caso em questão, Anderson buscava sofregamente o refúgio de seu castelo celular para não enfrentar a própria consciência que acusava, agravado pela presença de cobradores espirituais.
Quando o processo se dá pela interferência obsessiva, geralmente o Espírito interferente logra atingir seus resultados pela sintonia que faz com sua vítima.
Numa rememoração rápida, Allan Kardec classificou a obsessão, conforme sua intensidade, em simples, fascinação e subjugação. André Luiz afirma que os processo de fascinação e subjugação podem ser agravados por fenômeno de vampirização.
O mecanismo que leva à fascinação e à subjugação é apresentado pelo Dr. Bezerra de Menezes, que o subdivide em duas fases distintas, desfalecimento e arrastamento.
Na fase de desfalecimento, o que ocorre é reação advinda da concessão a um mal que subjugava intimamente. Nesse caso, um homem bom, tinha nos seios da alma uma paixão que subjugava e, um dia, por circunstância imprevista, foi por ela arrebatado. Despertado após o mal já cometido, tenta encobrir a falta ao invés de vomitar o veneno, instalando em si o germen do desequilíbrio.
Com o abrir as portas da invigilância os maus Espíritos, é incitado a saciar a sede da paixão represada, porém não o obtém senão às custas de um mergulho profundo. Se começa tremendo, vai envolvendo-se mais e mais, até o total rompimento com os valores que cultivava. Isso é o arrastamento.
Na fase de arrastamento, está de todo vulnerável, as defesas acaso erguidas baixam-se e pode, finalmente, ser atingido por inimigos de outrora, que se tornam empedernidos cobradores, buscando tirar muito mais do que deram, em vingança cruel. Outras vezes, se torna joguete de Espíritos cruéis, que o utiliza como um mero servo de seus desejos, escravizando-o em vampirizações cruéis.
Quem não se lembra do jovem candidato à mediunidade, apresentado por André Luiz em “Os Missionários da Luz”, que traz em seu centro de força genésico duas entidades vampirizadoras, acopladas parasiticamente pela sintonia dos lupanares?
Certa ocasião, foi encaminhado ao nosso Grupo de Desobsessão, jovem, masculino, alcóolico, que apresentava distúrbios da conduta sexual, manifestada por travestismo e prostituição. Buscando auxiliá-lo, em técnica de desdobramento, o médium Z detectou entidade espiritual de aspecto degenerado, de formas esquálidas, como se fosse um corpo mumificado, segurando em sua mão algo semelhante a uma garrafa, fixado ao paciente através do centro genésico. Após intervenção dos dirigentes espirituais na remoção do ser oportunista, houve acentuada melhora do paciente, que até hoje não cumpriu a promessa de retornar ao grupo.
Devemos, também, abordar os casos de loucura decorrentes de alterações funcionais do cérebro que se dão em função de processos expiatórios, decorrentes das faltas cometidas pelo que hoje padece.Nesses casos, como o Espírito culpado gera vítimas, pode-se associar quadros obsessivos que atuam como complicadores da doença.
Quando o Dr. Bezerra de Menezes foi solicitado a acompanhar o caso de Carlos, conforme está no livro “ Loucura e Obsessão”, o paciente, de vinte anos, há oito padecia de esquizofrenia do tipo catatônica. O bondoso médico deu o diagnóstico como correto, mas questionou o prognóstico. Além da realidade cerebral, a realidade espiritual de Carlos mostrava agravante quadro obsessivo, complicador de seu resgate expiatório.
O paciente sofria todos os processos orgânicos da doença grave, mas a influência obsessiva perturbava-lhe as funções do sangue, gerando anemia e carências várias.
Tanto nos casos de obsessão de longo curso, como de loucura agravada por subjugação, o cérebro pode sofrer consequências danosas, o que torna a cura complexa e de difícil curso.
O sofrimento imposto pela doença, gerada pelo Espírito, que imprime em seu perispírito os transtornos consequentes às faltas perpetradas, refletidas nas alterações sobre os centros de força nos casos expiatórios, ou em transtornos auto-obsessivos, bem como nos processo de subjugação pelo arrastamento, pode levar o cérebro a processo demenciais.
Isso porque, nos casos expiatórios, os centros de força estão desorganizados, reflexo das faltas passadas e da culpa assumida pelo Espírito. Nos casos de subjugação, a emanação fluídica do Espírito obsessor atua diretamente sobre o perispírito da vítima, também fazendo com que o fluxo energético entre os centros de força não se dê de modo adequado. Nos processos auto-obsessivos, há excessiva contração dos chakras afetados.

Tratamento Espírita da Loucura

Uma vez que tentei tratar de tema tão complexo, vasto, difícil, que é a visão espírita das causas da loucura, o que poderíamos esperar de um tratamento genuinamente espírita?
Nos casos onde há a intervenção médica, as substâncias recomendadas devem ser ministradas. No caso de Carlos, Dr. Bezerra não desaconselha o tratamento médico. Isso porque os anti-psicóticos trazem alívio ao cérebro excitado, diminuem os ricos decorrentes das atitudes bizarras e condutas inapropriadas. Depois, aprimoram, no que é possível, o instrumento já avariado em seus circuitos, ainda que não conseguindo atingir o agente causaldo distúrbio, que é o Espírito.
Ao tratar da terapia espírita da loucura, o sábio Bezerra de Menezes propõe:
- Fluidoterapia intensiva: Carlos era submetido, pelos Espíritos, a fluidoterapia quatro vezes ao dia;
- Terapia ocupacional, voltada para o próximo, em atividades de benemerência, que visam despertar o ser eterno e fazê-lo granjear méritos que aliviarão suas dívidas a serem resgatadas;
- Desobsessão, que visa moralizar o Espírito obsessor, não pela repressão, mas pelo convite ao perdão como instrumento da própria liberação;
- Moralização do paciente, que tem por objetivo despertá-lo para os erros cometidos e para a necessidade de renovar-se pela prática do bem.

Nesse ponto, poderíamos questionar como moralizar um louco? É o que questiona o próprio Bezerra de Menezes, para depois responder que o faz através da evocação do Espírito encarnado, fato esse que não se faz sem risco de mistificação, exigindo a mais alta seriedade de propósitos e profundo senso crítico e conhecimento profundo dos mecanismos da obsessão.
A proposta terapêutica espírita é absolutamente uma terapia moral. Desconsideremos aqui o conceito de moral como costumes aceitos, mas ressaltemos moral como conduta de elevação espiritual.
Por isso, diferentemente de Pinel, a terapia a ser empregada não é repressora, pelo contrário, visa libertar o doente das amarras através do esclarecimento, do convite à prática de atividades de benemerência, do envolvimento daqueles que, antes de serem tratados por Espíritos obsessores, são seres como nós, que merecem nossa atenção e nosso carinho.

Certa ocasião, em desdobramento fisiológico, fui conduzido ao Sanatório Espírita de Anápolis, para uma praça que não tem equivalência física. Encontrei Justino, um paciente psicótico crônico, cuja família não o suporta, mas que sempre mantive animado relacionamento. Ele estava sério, não tinha a fácies de alienação, mas seu olhar era de uma lucidez que jamais vi em Justino. Se aproximou mais e mostrou-me uma cena em que ele protagonizava um desequilibrado, como o era na realidade cotidiana dessa existência. Disse-me que era louco por imposição da corrigenda, que sofria muito, como Espírito, vivenciar tudo aquilo, as experiências como um celerado.
Desde aquele dia, percebi que Justino não era doente, era um ser como qualquer um de nós, ele tinha alma. Suas dificuldades, oriundas de pesada expiação, por certo não encontrariam alívio imediato nessa existência, e lembrei-me do amigo Bezerra de Menezes, que dava apenas o que tinha de si, o amor.
Quando diante de irmãos em expiações pelos corredores da alienação, lembremos da Dra. Kübler-Ross que, nomeada psiquiatra numa instituição que abrigava psicóticos crônicos, ofereceu a eles amor, e, aos poucos, eles foram recobrando a lucidez que lhes era ainda possível, mas o suficiente para retornarem aos seus lares.

* Dr. Jorge Cecílio Daher Junior é médico endócrinologista em Anápolis-GO
Site:
jorgececilio.site.med.br

Loucura ou Obsessão Espiritual?


Por Osvaldo Shimoda* - osvaldo.shimoda@uol.com.br

“Influem os Espíritos em nossos pensamentos e em nossos atos?
- Muito mais do que imaginais. Influem a tal ponto, que, de ordinário, são eles que vos dirigem”.
(O Livro dos Espíritos, Allan Kardec, Questão 459).

Recentemente, foi manchete nos jornais e na mídia televisiva o caso de uma mulher que ateou fogo numa aposentada idosa em uma agência bancária no Rio de Janeiro.
A aposentada foi internada em estado grave com 60% do corpo queimado e veio a falecer posteriormente.
A agressora justificou à polícia o seu ato por conta da raiva que sentiu ao não conseguir receber a sua pensão na agência bancária. Mas, de acordo com o banco, ela não recebeu o benefício porque veio na data errada (não era o dia certo de seu recebimento).
Confessou ainda à polícia que praticou tal ato porque estava fora do seu normal e se sentia perseguida por uma luz que a “esfaqueava por dentro”. Essa luz dizia que ia matá-la e aos seus filhos também. Apesar de ter praticado um ato tão bárbaro, disse que não estava arrependida.

Eu pergunto: “É um caso de loucura ou obsessão espiritual?”.
Como pode se diferenciar a loucura propriamente dita de uma interferência espiritual obsessora? No caso dessa mulher, é difícil de responder com certeza até porque cada caso é um caso. É muito tênue a linha divisória que separa a loucura da obsessão espiritual. Mas, sem a menor sombra de dúvida, a obsessão espiritual pode ser a causa de um processo de loucura.

Na psicogênese de inúmeros casos de loucura, é freqüente a existência de um fator obsessivo, ou seja, a interferência de espíritos que têm por objetivo causar irritação para prejudicar o obsediado.
Pode ser o caso dessa mulher que estava irritada, aborrecida, e que se sentia perseguida por uma luz que a “esfaqueava por dentro” (na minha prática clínica, é comum na regressão de memória o paciente ver o seu obsessor como uma luz cinza ou um vulto escuro, uma sombra).
Não obstante, é importante dizer aqui que inúmeros pacientes em hospitais ou clínicas psiquiátricas não são loucos no sentido da palavra. São apenas obsediados.
Portanto, há que se diferenciar um distúrbio mediúnico, espiritual, de um distúrbio psiquiátrico propriamente dito.

Allan Kardec, o codificador do Espiritismo dizia: “Há loucura que não é loucura, é apenas obsessão. Mas há loucura que não passa de um transtorno eminentemente psiquiátrico”.
No entanto, é importante esclarecer que um distúrbio mediúnico, caso se prolongue por muito tempo, pode ocasionar um dano no cérebro e provocar a loucura psiquiátrica.
Desta forma, se de um lado existem os espíritos obsessores que prejudicam o obsediado influenciando-o negativamente em seus pensamentos e ações, existem também os espíritos protetores a nos guiar e orientar diante das adversidades da vida. Portanto, não é um exagero dizer que a todo o momento estamos sendo guiados ou influenciados por bons ou maus espíritos.
Mas é através de nossos pensamentos, sentimentos e atitudes no dia-a-dia, que determinamos ao lado de quem estaremos: bons ou maus espíritos.

É bom lembrar que os espíritos se ligam a nós pela afinidade de nossos padrões vibratórios de pensamentos, sentimentos e atitudes.
Se você vibra negativamente, cultivando no cotidiano ódio, ira, rancor, desesperança, tristeza, medos, vingança, amargura, é óbvio que irá atrair os maus espíritos.
Lembre-se que é você que atrái os bons ou maus espíritos, de acordo com a Lei da Afinidade (os semelhantes se atraem).
Entre o bem e o mal é você quem escolhe de que lado quer ficar.
Ligue-se com a luz, evoque a presença dos espíritos superiores cultivando bons pensamentos, sentimentos e atitudes, que assim será protegido por eles, mesmo não percebendo.

Caso Clínico:
Depressão e sentimento de incapacidade
Homem de 35 anos, solteiro.

O paciente me procurou por conta de seu sentimento de incapacidade e inferioridade. Cultivava constantemente pensamentos críticos - se desvalorizando - do tipo: “Você é burro, retardado”; “Você é um fracasso, é melhor desistir porque não vai dar certo”.
Tudo que começava não terminava, pois tinha auto-estima muito baixa. Acordava depressivo, pois era comum se sentir atormentado por esses pensamentos.
Desta forma, queria saber o porquê de ser tão critico, exigente consigo mesmo e que o levava a se sentir incapaz.

Ao regredir, me relatou: “Sinto algo pressionando o meu rosto... a impressão é que alguém está empurrando, afundando o meu rosto no divã (pausa).
Vejo agora na minha frente uma luz cinza, meio escura...
Estou sentindo um calafrio muito forte pelo corpo todo com a presença dessa luz aqui no consultório”.

- Pergunte a essa luz (entidade espiritual) se ela teria algo a lhe dizer - peço ao paciente.
“Ela me diz: ‘Você vai morrer!’. ‘Você não tem nada na vida porque é um desgraçado!’.

- Pergunte-lhe o que você fez para ela no passado?
“Está me dando tontura porque o divã está girando rapidamente (é comum em meu consultório a entidade obsessora fazer o divã ”rodopiar” para agredir e amedrontar o paciente. Em verdade, é tudo uma ilusão, uma falsa sensação, pois em nenhum momento o divã sai do lugar). Agora parou, não sinto mais o divã girando...
Olhando bem para essa luz cinza, percebo que é uma mulher (pausa)”.

- Pergunte-lhe que relação vocês tiveram no passado - peço ao paciente.
“Ela me diz que fomos casados e que desgracei a vida dela”.

- O que você fez para ela?
“Ela fala que eu tirei a vida dela, que não a deixei viver. Por isso, qualquer deslize, erro que eu cometo na vida atual, me cobra, condena, não me deixa viver também (paciente entende agora que aqueles pensamentos negativos, críticos, condenatórios, que o fazem se sentir inferiorizado, depressivo e com baixa auto-estima não são dele, mas provocados por essa entidade espiritual)”.

- Pergunte se ela sabe há quanto tempo está desencarnada, em espírito na escuridão, nas trevas?
“Diz chorando que não sabe ao certo, mas é provável que se trate de mais de 100 anos”.

- Você gostaria de lhe dizer alguma coisa? - Pergunto ao paciente.
“Eu peço perdão, de coração pelo que lhe fiz, e que hoje jamais tiraria a sua vida” (paciente fala emocionado).

- Pergunte se ela quer ser ajudada, se deseja sair desse lugar escuro?
“Ela diz que sim”.

- Então, pede para ela evocar os espíritos amparadores, benevolentes, para sair desse lugar - peço ao paciente (pausa).

“Vejo um ser de luz - é uma luz muito intensa, clara - se aproximando dela (pausa).
Eles estão agora entrando por um túnel iluminado... sumiram.
Uma outra luz clara, bem intensa, vindo de cima se aproxima de mim. Sinto uma paz muito grande, é incrível!”.

- Pede para ela se identificar...
“Diz que é a minha mentora espiritual (entidade espiritual diretamente responsável pela evolução do paciente que o guia, protege e o aconselha).
Sinto uma paz e tranqüilidade vindo dela e uma luz bem clara que ela irradia e que me ilumina também. Ela me diz que preciso ser forte, não ter medo, e que está sempre me ajudando em todos os momentos difíceis de minha vida. Diz para eu fazer tudo na vida com amor e dedicação.
Sinto uma paz enorme, pois ela emana uma energia muito boa. Sua luz está irradiando a sala toda”. (Paciente se refere ao consultório).

- Veja se sua mentora espiritual teria mais alguma coisa a lhe dizer - peço ao paciente.
“Ela só pede para eu cultivar o amor em meu coração e agradece ao senhor (referindo-se a mim como terapeuta) por essa oportunidade de poder se comunicar comigo”.

Após ter passado por mais quatro sessões de regressão, o paciente estava se sentindo muito bem, mais animado e motivado. Não vinham mais em sua mente aqueles pensamentos críticos, negativos e desqualificadores que o deixavam deprimido, desesperançoso e inseguro.
Antes do tratamento, por qualquer deslize ou erro que cometesse, vinham muito forte esses pensamentos que ficavam martelando em sua mente, e que o levavam a se sentir deprimido e desmotivado. Sentia que tinha tirado um peso enorme de suas costas, bem como resgatado sua auto-estima.


*Osvaldo Shimoda é terapeuta, criador da Terapia Regressiva Evolutiva (TRE), a Terapia do Mentor Espiritual - Abordagem psicológica e espiritual breve canalizada por ele através dos Espíritos Superiores do Astral. Email: osvaldo.shimoda@uol.com.br